segunda-feira, 7 de abril de 2008

O Sorriso de Monalisa - A Arte


As obras de arte que apareceram, constituem não só um maravilhoso recorte da História da Arte humana como propõem, sozinhas, a discussão inteira que o filme traz sobre o papel da mulher e do homem na sociedade.
Vale a pena percorrer as obras citadas, desde a primeira, observada por Katherine, com prazer, no trem que a traz a Wellesley. De maneira invertida, Katherine olha, ou é olhada, por “Les Demoiselles d´Avignon”, de Picasso, uma das mais importantes obras do que se chamaria Arte Moderna. Trata-se de mulheres em um bordel, em posições sedutoras, mas pintadas de forma plana e não com linhas arredondadas, como é o clássico corpo feminino. O espaço entre as linhas é branco, como se fosse um vidro cortado, necessitando do nosso olhar para se mostrar inteiro. O resultado é que elas nos olham e nos solicitam um posicionamento. Katherine as olha e terá que se posicionar durante o enredo do filme, sobre questões centrais do papel feminino.

A arte do século XX será marcada por obras que exigem não a contemplação mas a resposta, o tomar partido, para que a imagem se complete, participando de sua criação.
O primitivismo das formas dos rostos tem duplo sentido: duas das figuras mostram relação com a escultura negra e as outras com a ibérica, confrontando-nos com o sentido totêmico que Picasso coloca em suas obras, quase que se referindo a um ritual, a um culto, a um aspecto selvagem. Esta dualidade tem raízes culturais profundas e nos comove e demanda a todos.
Dos anos 50 em diante, o ser humano seria mais e mais levado a se conscientizar do que ocorre no planeta, na sociedade e consigo próprio, tendo que criar suas próprias referências pessoais e progressivamente descobrir que o sistema é um constructo alienado de seu eu interior, com quem se precisa lidar mas que não nos deve dominar, intimamente. A arte moderna é a própria expressão deste crescimento à força.




O Bisão Ferido, achado em Altamira, na Espanha, e considerado como de 15 mil anos AC é a primeira obra que Katherine apresenta a suas alunas.O roteiro deste filme, embora interessante do ponto de vista de pesquisa, não abre para uma leitura mais ampla das obras de arte, até porque não é o seu propósito.
Buscando se firmar com as garotas que a colocaram em posição desagradável na 1ª aula, Katherine propõe a discussão sobre uma obra inusitada, que não constava na apostila do Dr Staunton: Carcaça, de Chaim Soutine.
Soutine nasceu em 1894 e é considerado o mais dinâmico representante do expressionismo. Morreria em 1943, ou seja, 10 anos antes do momento retratado no filme (1953).
As alunas perdem a referência inicialmente pois não se trata de um artista clássico, integrante da cultura considerada “correta” para aquele estamento social. No entanto, instadas a analisar a obra, encontram aspectos novos: agressividade, erotismo...
Procurando defender a cultura tradicional que consideram correta, afirmam que é impraticável comparar os quadros de Rembrandt a quadros de parede.
Interessante diálogo pois Soutine foi bastante influenciado por Rembrandt e é deste último um quadro - Carcass of Beef (também chamada de Flayed Ox), datado de 1655, que traduz o mesmo tema da Carcaça, de Soutine.
As garotas não alcançam esta comparação mas valeria a pena faze-la. A obra de Rembrandt lembra a força da vida enquanto a de Soutine, que era um admirador de Rembrandt, traduz o desespero pela falta de sentido que vê na vida.
Nascido em 1606, Rembrandt era um mestre da luz e da sombra. Soutine é um representante da Arte Moderna e, portanto, não é considerado “cultura” para o grupo social de referência no filme.


Jackson Pollock é a outra referência de Arte Moderna que o filme evoca.
Katherine leva as alunas para ver sua obra – Greyed Rainbow – finalizada 3 anos antes de sua morte prematura por um acidente de carro. O movimento, a textura, o jogo de cores e formas do quadro é capturado por uma câmera que se aproxima, investigativa, da obra, aceitando o convite de Katherine: “simplesmente olhe”. Não é exigida das garotas nenhuma palavra, nenhuma análise, nenhuma perfomance: simplesmente são convocadas ao prazer de admirar e olhar atentamente uma obra de arte inovadora, como a de Pollock, que traz o inconsciente à tona.
O mundo feminino clássico é retratado neste filme pela profusão de detalhes na decoração, pelo figurino, pelas flores – recorrentes na decoração e até mesmo no presente que as garotas oferecem a Katherine, pelos chapéus, pelos tules e véus, pelo romance, pela música – Mona Lisa, de Nat King Cole, enfim, por inúmeros sinais.
Mas que mundo feminino é este? A maior parte dos símbolos traduz o feminino conduzido pelo social, o feminino que o sistema permite.
A arte moderna, representada por Picasso, trará um feminino mais interno, mais primitivo, quase que requerendo a recriação para de novo se encontrar.
A cena do trem, mostrando Demoiselles d´Avignon, abre esta possibilidade. O filme não chega a este resgate. Ele simplesmente registra as angústias do feminino contestado, inquirido, pressionado ao crescimento e ao autoconhecimento. Mas depois se fecha e não permite mais abertura.
Seria importante sublinhar a tensão proposta, mais do que reconhecer o feminino “encaixotado” que o sistema oferece. O caminho da arte é talvez o mais seguro neste filme pois, de maneira sutil, sensível, vai trazendo à tona temas tão relevantes para a questão do gênero feminino que, se fossem tratados de forma polêmica, não atingiriam ponto nenhum, de tão escondidos e submissos que estavam à ordem vigente.
Katherine traz às alunas uma interessante discussão sobre a obra de Van Gogh, que sofreu preconceito e desprezo por não ajustar a sua obra com os padrões da época e que não conseguiu vender um único quadro enquanto vivo. E sobre "caixas" com reproduções da obra Doze girassóis numa jarra para serem coloridas seguindo um sistema de números, que eram vendidas na época.

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